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Fernão Cardim (1540-1625) foi um missionário jesuíta português, que passou parte da sua vida no Brasil. O conjunto de textos que produziu, conhecido por Tratado da Terra e da Gente do Brasil, constitui uma referência para o conhecimento cultural, etnográfico, religioso e científico sobre o Brasil, no contexto colonizador dos séculos XVI e XVII.

Vida

Nascido em 1540 em Viana do Alentejo, Fernão Cardim ingressou na Companhia de Jesus em 1555, tendo efectuado os seus estudos no Colégio de Évora [1]. Em 1583 ocupava o cargo de Ministro do Colégio de Évora e partiu para o Brasil para acompanhar o Visitador Cristóvão de Gouveia, de quem era secretário desde 1582 [2], e o Governador Manuel Teles Barreto. No Brasil desempenhou, entre outras ocupações, o cargo de Reitor do Colégio do Rio de Janeiro [1].

Em 1600 partiu para Roma como Procurador da Companhia [1]. Ao regressar ao Brasil em 1601 foi capturado e aprisionado durante 3 anos pelo corsário inglês Francis Cook, que o levou para Inglaterra. Obteve a sua liberdade em troca de um manuscrito sobre etnografia, que o próprio Fernão Cardim havia escrito no Brasil em 1584. Após a sua libertação voltou ao Brasil em 1604 como Provincial, onde se tornou Reitor do Colégio na Baía[1]. Morreu na Baía em 27 de Janeiro de 1625 [1].

Obra

No Brasil, Fernão Cardim viajou desde Pernambuco até ao Rio de Janeiro e o seu contacto directo com a cultura brasileira da época resultou na produção de vários textos, sobretudo sob a forma de cartas mas também de Tratados.

Nos seus Tratados, o missionário descrevia o clima e a terra do Brasil, as origens e os costumes dos índios brasileiros, tendo esses tratados assumido um papel importante no conjunto das fontes para a história quinhentista, pois expunham dentre outras informações, as condições em que se vivia na colónia. Nesses textos, existem descrições de fauna, flora, quotidiano e costumes indígenas, bem como as propriedades curativas das plantas, constituindo um guia sobre a América [1].

Das suas obras destaca-se os Tratados da Terra e da Gente do Brasil, publicado em 1625 em Inglaterra por Purchas, sem que o seu nome fosse associado [1]. Esta publicação consistiu nas duas primeiras partes dos Tratados, após Purchas ter adquirido os manuscritos confiscados por Francis Cook em 1601 [1].

Em 1881, a obra publicada por Purchas foi publicada em português no Rio de Janeiro, com o título Do princípio e origem dos índios do Brasil e de seus costumes, adoração e cerimónias pelo Padre Fernão Cardim, graças ao esforço do historiador Capistrano de Abreu, que conseguiu rastrear a origem dos manuscritos [1].

A terceira parte dos Tratados, Narrativa Epistolar de uma viagem e missão jesuítica pela Baía, Ilhéus, Porto-Seguro, Pernambuco, Espirito Santo, Rio de Janeiro..., escrita em udas cartas ao Padre Provincial de Portugal, composta por duas cartas enviadas ao Provincial em Portugal, só foi impressa em 1847 na Imprensa Nacional de Lisboa graças ao diplomata brasileiro Varnhagem [1].

Apenas em 1925 é que foi iniciada a publicação conjunta dos três textos, assumindo o título Tratados da Terra e da Gente do Brasil.

Publicações

Os Tratados da Terra e da Gente do Brasil, têm uma relevância notória no campo das Ciências Médicas, já que nestes textos encontram-se descrições de várias espécies de plantas e árvoras e das suas propriedades terapêuticas [2].

As duas primeiras partes dos Tratados podem ser consideradas como catálogos sobre os animais, as plantas e os homens encontrados na América Portuguesa. Devido à valorização dada à observação como apreensão de experiências e sistematização desta informação, estes textos aproximam Fernão Cardim de um mundo laico, o que não se verifica na 3ªparte, a Narrativa, em que segue à risca as regras internas de redação da Companhia de Jesus [2].

Para além disso, nas suas descrições comparava o universo americano com o europeu, ao divulgar nomes como copaíba, uma planta como a figueira, cuja cor é a do azeite e o óleo que produz é mensurável em medidas portuguesas [3]. Por exemplo, a ipecacuanha, uma planta com propriedades curativas ao nível respiratório, foi dada a conhecer à Europa em 1625, através de um manuscrito de Fernão Cardim.

Bibliografia

[1] Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa, 1957, Volume 5, pg 892.

[2] Daniela Buono Calainho, Jesuítas e Medicina no Brasil Colonial, (2005), Tempo, nº 19, pp 61-75

[3] Eunícia Barros Barcelos Fernandes, As palavras como linhas: Fernão Cardim, (2009), Revista Brasileira de História das Religiões, Ano I, nº3, pp 167-185